A previdência complementar como alternativa do déficit da previdência social

Artigos 05 out de 2020
Gabriela Felix Advogada

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, materializou-se o conceito de Seguridade Social, que, tal como exposto em seu artigo 194, “compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”

A Previdência Social, ramo da seguridade social, é um sistema que, mediante contribuição e de filiação obrigatória, oferece proteção financeira aos cidadãos em eventuais situações de incapacidade laborativa, de modo a manter a subsistência do indivíduo e de sua família.

Nesse contexto, merece destaque o modelo de financiamento da Seguridade Social, que, conforme a Constituição da República Federativa do Brasil, se trata de um sistema contributivo e, mais especificamente, de repartição.

Nesse sistema,  as contribuições são destinadas para um fundo único, que tem por fito o pagamento das prestações no mesmo período, a quem carecer. Assim, patrões e governo também contribuem para que as aposentadorias sejam pagas, e os benefícios são calculados pela média dos salários de contribuição.

Assim, fica claro que no sistema de repartição, em tese, as contribuições dos ativos, financia aos trabalhadores inativos que carecem do benefício previdenciário – seja ele qual for.

É aí que se encontra o que a doutrina aponta como um dos grandes obstáculos no sistema previdenciário do Brasil: a elevação da expectativa de sobrevida da população. Isso significa que uma parcela significativa dos segurados satisfaz as condições de elegibilidade para auferirem um benefício previdenciário – talvez maior que o número daqueles que não. E isso pode gerar um desequilíbrio, ou até o colapso do sistema.

Em acordo com o IBGE, a tábua de mortalidade projetada para o ano de 2018 forneceu uma expectativa de vida de 76,3 anos para o total da população. À propósito:

“se considerarmos hipoteticamente a idade de 65 anos como o início do topo da pirâmide etária, os aumentos foram consideráveis rumo ao envelhecimento populacional. Em 1940, um indivíduo ao atingir 65 anos, esperaria viver em média mais 10,6 anos, sendo que no caso dos homens seriam 9,3 anos, e das mulheres, 11,5 anos (Tabela 4). Em 2018, esses valores passaram a ser de 18,8 anos para ambos os sexos, 17,1 anos para homens e 20,3 anos para as mulheres, acréscimos da ordem de 8,2 anos, 7,8 anos e 8,8 anos, respectivamente. Em 1940, a população de 65 anos ou mais representava 2,4% do total. Em 2018, este percentual representou 9,2% da população total, um aumento da ordem de 6,8 pontos percentuais”.

 

Nesse sentido, não obstante o aumento da expectativa de vida seja uma conquista social, para o sistema de repartição, esse envelhecimento pode significar um problema.

De fato, hoje se enfrenta o que se conhece por déficit da previdência, haja vista o desequilíbrio econômico-financeiro do sistema. E aqui é oportuno tecer algumas das conclusões do Acórdão 1.295/2017, de lavra do TCU e relatoria do Ministro José Múcio Monteiro, que, em 2017, apurou as contas previdenciárias no Brasil.

Segundo o Tribunal, houve um agravamento desse descompasso entre receitas e despesas da seguridade a partir do ano de 2014, sendo que no ano de 2016 a diferença entre receitas e despesas fora de cerca de R$ 240 bilhões. Ressaltou ainda o acórdão que a previdência social é a que tem mais contribuído para o desequilíbrio observado.

E mais: o percentual de gastos com a previdência no Brasil em relação ao PIB, já é considerado elevado quando comparado a outros países, por conta do envelhecimento da população, conjugado com a redução na taxa de fecundidade e a sonegação de impostos por parte das grandes empresas.

Sem embargos, o descompasso entre receitas e despesas da previdência tem sido motivo de debate há muitos anos. Entretanto, entendo por necessário destacar que o debate não é unânime, à exemplo da ANFIP – Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – e da Fundação ANFIP de Estudos da Seguridade Social e Tributário, que entendem que o sistema previdenciário é superavitário.

É incontroverso, porém, que, como resposta ao envelhecimento da população, o país vem passando por constantes reformas no que diz respeito à matéria da previdência. Em verdade, somente nos trinta primeiros anos de vigência da Constituição de 1988, o país já havia passado por seis alterações sucessivas.

Ressalte-se que, inclusive, recentemente fora aprovada a Emenda Constitucional nº 103/2019, que tornou mais rigorosas diversas regras sobre a previdência, como a idade mínima de aposentadoria, tempo mínimo de contribuição, cálculo da aposentadoria, entre outras mudanças.

Decorre de tal contexto uma incerteza da população em relação aos benefícios futuros, surgindo, então, uma necessidade em auferir renda extra no momento da aposentadoria, uma vez que tem sido contínuo o aumento das condições de elegibilidade dos benefícios, o que é capaz de comprometer a manutenção da qualidade de vida dos segurados.

Cresce, portanto, a importância da previdência privada nesse contexto. Isto porque, diante da impossibilidade de os sistemas públicos bastarem para garantir as necessidades dos segurados, e ainda, dentro de um contexto que demonstra um desequilíbrio em tal sistema, o cidadão tem recorrido ao sistema previdenciário privado, cujo objetivo é garantir a manutenção da sua qualidade de vida.

Longe de esgotar o assunto sobre a previdência complementar que é, por si só, muito extensa, destaca-se, com base nos dados divulgados pela FENAPREVI (Federação Nacional de Previdência Privada e Vida), o aumento pela busca dos planos de previdência complementar abertos.

Vejamos, por exemplo, o gráfico que segue, extraído do site da FENAPREVI:

Fonte: FENAPREVI (http://fenaprevi.org.br/estatisticas.html)

 

Fica claro que a arrecadação de tais planos tem mantido constante aumento, à exceção do ano de 2018, e, muito provavelmente de 2020, por conta da crise vivenciada pelo enfretamento da pandemia do COVID-19.

No ano de 2019, por exemplo, a FENAPREVI divulgou a seguinte notícia:

A indústria de previdência privada complementar aberta registrou um expressivo crescimento no mês de agosto. As novas contribuições somaram R$ 11,5 bilhões no mês, valor 23,4% maior que o verificado em igual período do ano anterior. A captação líquida (diferença entre novos depósitos e resgates) bateu a marca de R$ 5,3 bilhões, com expansão de 66,3% frente a agosto do ano anterior. http://fenaprevi.org.br/noticias/novos-depositos-em-previdencia-complementar-aberta-somam-r-11-5-bilhoes-em-agosto.html)

No mesmo sentido a ANBIMA (2020), que, em pesquisas realizadas, em especial no ano de 2019, demonstrou que o patrimônio líquido dos planos de previdência privada aberta só tem aumentado.

Em uma pesquisa realizada pelo DataFolha, no ano de 2017, nove em cada dez brasileiros (90%) declararam não ter plano de previdência privada, enquanto 10% possuem. Seis em cada dez (62%) não aplicam seu dinheiro na poupança ou em outro tipo de investimento, ante 38% que aplicam seu dinheiro na poupança ou em outros tipos de investimentos.

Igualmente, pesquisa da AMBIMA – Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais -, do ano de 2019, nominada “Raio X do Investidor Brasileiro”, revelou que, dentre 3.443 pessoas, cerca de 51% dos entrevistados disseram que não contribuem com a previdência privada, contando com o dinheiro da previdência pública – INSS -, para a aposentadoria.

Embora seja crescente a busca por tais planos, a sociedade brasileira ainda não trata tal necessidade como prioritária. Conforme Pinheiro (2008), o brasileiro tem baixa tendência em “poupar”, por conta da escassez de informação com relação à educação previdenciária. Aduz o autor que o referido ramo seria como uma extensão da educação financeira, e que há necessidade de maior conhecimento, por parte da população, acerca dos produtos previdenciários.

Tal cenário demonstra que o brasileiro precisa adotar um novo comportamento e uma nova cultura quanto ao planejamento financeiro e expectativas pós-laboral, e com urgência. Em geral, a aposentadoria pública tem valor menor do que aquele recebido enquanto se trabalha, o que certamente modificará a qualidade de vida dos brasileiros. Em janeiro de 2020, o teto do INSS passou a ser de R$ 6.101,06, por exemplo.

Fato é que, diante de um contexto em que as regras de elegibilidade de benefícios, como o aumento da idade mínima de aposentadoria, o cálculo da aposentadoria e o tempo mínimo de contribuição – entre outras mudanças implementadas pela Emenda Constitucional 103/2019 -, têm se tornado mais rígidas, o perfil do brasileiro parece ainda não estar preparado para esta nova realidade.

 

 

 

REFERÊNCIAS

ANBIMA – Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. Consolidado Histórico dos Fundos de Investimentos, 2020. Disponível em: <https://www.anbima.com.br/pt_br/informar/estatisticas/fundos-de-investimento/fi-consolidado-historico.htm>. Acesso em: 01/07/2020.

ANFIP – Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil./Fundação ANFIP de Estudos da Seguridade Social. Análise da Seguridade Social 2017. Brasília: ANFIP, 2018

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Tábua completa de mortalidade para o Brasil – 2018: Breve análise da evolução da mortalidade no Brasil. In: Diretoria de Pesquisas. Rio de Janeiro: IBGE, 2018.

DATAFOLHA – Instituto de Pesquisa Datafolha. Opinião Pública, dossiês, 2017. Disponível em: <http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2017/05/02/a7467f94d12f4c979168651c37a7c349.pdf> Acesso em: 03 de Julho de 2020.

PINHEIRO, Ricardo Pena. Educação financeira e previdenciária, a nova fronteira dos fundos de pensão. São Paulo: Peixoto Neto, 2008.