SUSPENSÃO DA MP Nº 954/2020 QUE GARANTIA O COMPARTILHAMENTO DE DADOS ENTRE EMPRESAS DE TELECOMUNICAÇÃO E O IBGE

Artigos 12 maio de 2020
Inara Pinheiro Lages Advogada

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é o principal provedor de informações geográficas e estatísticas do Brasil. A fundação realiza um trabalho de coleta de dados e de diagnósticos da população, porém, em razão da pandemia do COVID-19 e das medidas de distanciamento social, suas atividades de pesquisas presenciais foram paralisadas.  

A fim de amenizar os prejuízos da paralisação, em 17 de abril de 2020 foi editada a MP nº 954/2020, que permitiu o compartilhamento de dados pessoais cadastrais, como nome, telefone e endereço dos consumidores, entre as empresas de telefonia (fixa e móvel) e o IBGE. A integração dessas informações seriam  utilizadas para produção estatística oficial, uma vez que as pesquisas domiciliares presenciais estão suspensas.

No entanto, a medida suscitou diversas dúvidas com relação à proteção desses dados pessoais dos consumidores, o que levou a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber a suspender no dia 24/04/2020 a eficácia da Medida Provisória 954/2020 com o deferimento das medidas cautelares solicitadas em cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB (ADI 6387), pelo Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB (ADI 6388), pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB (ADI 6389), pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL (ADI 6390) e pelo Partido Comunista do Brasil (ADI 6393).

Em ato contínuo, por se tratar até então de concessão de medidas cautelares, o Plenário do STF, no dia 07 de maio de 2020, referendou por 10 votos a 1 a medida liminar no sentido de suspender a eficácia da MP nº 954/2020.

 

Violação aos Direitos Fundamentais

 

Os ministros enfatizaram que a MP nº 954/2020 está no âmbito de proteção constitucional (artigo 5º) que ampara o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas. No entanto, o texto não veio acompanhado da exigência de mecanismos e de procedimentos para assegurar o sigilo, a higidez e o anonimato dos dados compartilhados, o que não atende às exigências estabelecidas na Constituição para a efetiva proteção de direitos fundamentais. Além disso, no julgamento liminar, a Ministra ainda ressaltou a necessidade de demonstração do interesse público no compartilhamento, bem como a necessidade de definir a forma e o objetivo claro.

 

Por que o julgamento do STF é tão importante?

 

Esta foi a primeira vez que o STF se debruçou em questões quanto à proteção de dados pessoais e, ainda sem a vigência da Lei nº 13.709/2018, avaliou os mecanismos que asseguram a proteção, como: transparência com o objetivo, consentimento, limitações do compartilhamento, tratamento etc.

Sem subestimar a gravidade e a urgência decorrente da atual crise sanitária, nem a necessidade de formulação de políticas públicas que demandam dados específicos para o enfrentamento do novo coronavírus, o Supremo Tribunal Federal ponderou que o combate à pandemia não pode legitimar “o atropelo de garantias fundamentais consagradas na Constituição”.

A votação emblemática do STF, desencoraja medidas sem ponderações quanto às questões de proteção de dados pessoais e começa a delinear um novo cenário para o compartilhamento e tratamento destes dados.

 

E como ficam as atividades do IBGE?

 

No dia 4 de maio de 2020, o IBGE anunciou ter dado início, em parceria com o Ministério da Saúde, à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad- Covid), para quantificar as pessoas com sintomas da doença e os impactos da pandemia no mercado de trabalho. Para a amostra da nova pesquisa, o IBGE utilizou a base de 211 mil domicílios que participaram da Pnad no primeiro trimestre de 2019 e a pesquisa ocorre por telefone com entrevistas de aproximadamente 10 minutos.

É indiscutível a necessidade das atividades do IBGE na quantificação dos dados da pandemia pelo COVID-19. No entanto, a nova metodologia anunciada demonstra a desnecessidade e o excesso do compartilhamento de dados disciplinado na MP, pois o objetivo alegado na norma já está sendo realizado de forma menos intrusiva à privacidade e, ainda assim, garantindo a realização de suas atividades.