Direitos Autorais em tempos de lives

Textos 05 maio de 2020
Paulo França Ferreira Advogado | Partner

Estamos atravessando um período que ficará marcado para o resto de nossas vidas. A quarentena como medida de contenção à propagação do COVID-19 está fazendo com que os cantores e artistas se reinventem.

Grandes nomes da música brasileira estão aderindo as lives, que nada mais são do que transmissões de vídeo ao vivo dentro de determinada plataforma, seja ela instagram, facebook ou youtube.

Os números atingidos também bateram recordes, segundo reportagem publicada no Jornal Folha de São Paulo, em 04 de abril de 2020, a primeira live do cantor Gustavo Lima teve uma audiência total de 10 milhões de pessoas só no dia, com pico de 750 mil acessos simultâneos e 500 mil de média só no YouTube, fora outros 160 mil no Instagram.

Uma semana depois, foi a vez da dupla sertaneja Jorge e Mateus, com uma live denominada “Na Garagem”, atingiram mais de 3 milhões de acessos simultâneos para quase 40 milhões de visualizações até a data em que a reportagem foi publicada.

No último sábado, dia 02 de maio, foi a vez do DJ Alok, que fez uma live com transmissão simultânea pela rede globo, Multishow e outras plataformas digitais. A performance aconteceu em seu prédio, na cidade de São Paulo, e contou com a animação dos vizinhos como plano de fundo.

Mas o que tudo isso tem a ver com nosso título sobre direitos autorais?

Muitos desses cantores, tocam músicas de outros artistas durante sua performance. Por exemplo, Jorge e Mateus tocaram músicas que não são de sua autoria, assim como o DJ Alok tocou várias músicas de outros artistas.

Vamos entender brevemente como tudo isso funciona.

Direitos autorais são os direitos que todo criador de uma obra intelectual tem sobre a sua criação. Esse direito é exclusivo do autor, de acordo com o artigo 5º da Constituição Federal.

Está definido por vários tratados e convenções internacionais, dentre os quais o mais significativo é a Convenção de Berna. No Brasil a Lei nº. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, consolida a legislação sobre os direitos autorais.

Ou seja, a regra fundamental do direito autoral é a de que a utilização de qualquer obra, seja na sua forma original ou com modificações, depende de expressa autorização do titular, nos termos da Lei nº 9.610/1998.

Para garantir que todos sejam remunerados adequadamente, foi criada a taxa ECAD, o qual é um tributo pago ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos AUTORAIS, órgão responsável pela fiscalização e controle das músicas executadas em púbico em todo território brasileiro.

 

Mas e como isso acontece nas lives do youtube?

Plataformas como YouTube, Facebook e Instagram já têm contratos com o Ecad. Para que os repasses sejam feitos, é necessário que os repertórios das lives sejam reconhecidos pelas respectivas plataformas e repassados à empresa.

A regra também se aplica aos Djs?

Essa resposta renderia grandes discussões, mas vamos adotar um posicionamento majoritário para responde-la.

No caso do DJ Alok, ou qualquer outro artista, em tese não precisaria de autorização dos titulares, porque foi uma performance ao vivo e não uma gravação. Então ele pode tocar livremente a música, desde que faça o pagamento dos valores referentes à execução pública.

Contudo, a questão dos DJs é um debate jurídico acirrado, isso porque existe uma discussão sobre direitos autorais dos remix e mashup , os quais são considerados pela maioria, como uma nova obra e, mesmo que utilize trechos de outras músicas de diferentes titulares, consistiria em exceção à aplicação dos direitos autorais, não gerando necessidade de autorização ou pagamento para reprodução e gravação da nova obra.

O remix é uma nova roupagem que se dá à música, por meio da modificação de aspectos do seu arranjo, como, por exemplo, a retirada de alguns instrumentos, a introdução de outros e a repetição ou remoção de determinado trecho. Já o mashup é a criação de uma nova música formada pela junção de outras. E conforme o artigo 46 da Lei de Direitos Autorais, essa seria uma excessão, vejamos:

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

VIII a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores

Entretanto, a matéria não é tão simples, e muitas gravadoras estão requerendo a suspensão de lives de Djs que não recolheram as taxas.  E a questão não está próxima de um fim.

Uma proposta de emenda na Medida Provisória nº 948, de 2020, de autoria do Dep. Felipe Carreras, vem movimentando o mundo dos artistas. Isto porque o Deputado propôs alterações significativas no assunto, como o fato de querer que somente o intérprete pague os direitos autorais de músicas executadas em eventos, isentando do débito os promotores e organizadores do evento.

Sendo assim, dentro desse contexto, sugerimos maior atenção dos artistas e seu staff, para o cumprimento das regras e atenção às possíveis modificações.