Breve análise da Lei nº 11.325/2020, que dispõe acerca da obrigatoriedade da bíblia no acervo bibliográfico dos presídios estaduais

Blog 03 set de 2020
Breve análise da Lei nº 11.325/2020, que dispõe acerca da obrigatoriedade da bíblia no acervo bibliográfico dos presídios estaduais

Foi sancionada a lei estadual nº 11.325[1], de autoria da deputada Mical Damasceno, que torna a disponibilização da bíblia obrigatória nos presídios do estado do Maranhão, a fim de obter a remição da pena, isso é, uma diminuição da pena a ser cumprida, vejamos:

 

Art. 4º, § 1º – A “Bíblia” será o livro obrigatório do acervo bibliográfico indicado pela Comissão de Remição pela leitura.

2º – (Vetado).

3º – O Projeto “Remição pela Leitura” deverá ser integrado a outros projetos de natureza semelhante que venham a ser executados em Estabelecimentos Penais do Estado do Maranhão.

 

O instituo da remição é uma forma de estimular o custodiado para que ocupe seu tempo com uma atividade produtiva, afastando-o do ócio e da prática de novos delitos, bem como, servindo de ressocialização do apenado para que, ao cumprir a pena, tenha mais facilidade de ingressar no mercado de trabalho.

A Lei de Execução Penal (7.210/1984) apenas prevê a remição da pena por meio do trabalho e do estudo. Mas a Resolução nº 44/2013, do Conselho Nacional de Justiça[2], dispõe sobre a remição por meio da leitura, que também já foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, em 2015.

Desse modo, nesse quesito, a nova lei sancionada não inova e traz um benefício já reconhecido, e regulamentado por lei estadual, a 10.606/2017[3], sendo muito válida ao promover formação cultural e artístico dos apenados.

O interno irá ler uma obra literária e realizar uma resenha, o que permitirá remir quatro dias de sua pena. Importante a previsão legal de preferência aos presos que ainda não estejam matriculados em programas de escolarização, o que é muito importante, tendo em vista a falta de estrutura do nosso sistema carcerário, que muitas vezes não disponibiliza aos apenados o sistema regular de ensino, tampouco oportunidades de trabalho. E por ser a disponibilização da leitura mais fácil, irá possibilitar amplo direito do preso à remição e ressocialização.

O que a Lei estadual 11.325/2020 se diferencia, é ao prever expressamente a disponibilização da bíblia no acervo bibliográfico dos presídios.

Sobre o tema, é preciso ter cautela, já que se tem um forte entendimento na doutrina e dentre os juristas, de que lei estadual nesse sentido seria inconstitucional materialmente e formalmente.

Inclusive, recentemente, uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou inconstitucional[4] lei estadual similar, por entender que se tratava de matéria de competência federal, e que ofenderia à separação dos Poderes, já que seria um tema do Poder Executivo, e não do Legislativo.

Isso porque, a matéria disciplinada diz respeito à execução penal, que por sua vez envolve elementos de Direito Penal e de Direito Processual Penal, disciplinas que, por disposição da Constituição Federal (art. 22, I), são de competência privativa da União.

Assim, a definição e regulamentação desse instituto somente poderia dar-se por meio de lei federal.

Há ainda quem enxergue inconstitucionalidade material na referida lei, no que diz ao conteúdo, por ferir a Laicidade estatal. Já que, sendo o Estado Laico, não deveria interferir em assuntos religiosos.

Não estaria a legislação preterindo o cristianismo diante de outras religiões?  Esquecendo-se que outros livros como o Torá e o Alcorão Violando a posição equidistante e neutra que o Estado deveria assumir.

Apesar de a Lei Estadual não impor a leitura da bíblia, e constar como uma opção do custodiado, por que os presos que tiverem outras religiões não poderão ser contemplados com esse benefício também?

No Estado do Ceará, lei similar foi promulgada também esse ano, mas incluiu “obras religiosas”, no geral, sem especificar unicamente a bíblia.

Assim, não se questiona, de forma alguma, direito à remição, que é um instituto extremamente válido, devendo ser efetivamente aplicado, seja pelos estudos, pelo trabalho, leitura, e inclusive pela atividade musical, no entanto, é importante ter cuidado nos limites dessa regulamentação.

 

 

[1] Nova Lei sancionada (11.325/2020)

[2] https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/1907

[3] Lei Estadual 10.606/2017: http://stc.ma.gov.br/legisla-documento/?id=4791#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2010.606%2C%20DE%2030,Penais%20do%20Estado%20do%20Maranh%C3%A3o.

[4] Decisão TJ SP na íntegra:  https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/2/F3ACC774C6CB7F_DS-doc_76344139(inconstitucion.pdf